Por Jota Britto
O ano era 1987. Já haviam se passado três anos da eleição indireta de Tancredo Neves para Presidente da República vencendo a Paulo Maluf, candidato dos militares, após a histórica campanha pelas “Diretas Já” que, apesar de não atingir o seu objetivo [que era a eleição do presidente da República pelo voto direto, depois de 20 anos de Ditadura Militar], levou multidões às ruas de todo o País no maior movimento pela Democracia da nossa História.
Um misto de frustração e esperança tomava conta de corações e mentes Brasil adentro. Além da frustração pela derrota da “Diretas Já”, o povo sentia-se órfão pela morte repentina de Tancredo [após a eleição no Colégio Eleitoral] e a ascenção do vice José Sarney. Por outro lado, a população estava esperançosa por dias melhores, vivendo sob o impacto do Plano Cruzado [que, dentre outras medidas, mudou a nossa antiga moeda de cruzado para cruzeiro e congelou os preços do varejo]. Foi a época em que muita gente virou “fiscal do Sarney”.
O País vivia o clima da Assembleia Nacional Constituinte e o movimento social estava em efervescência. A CUT liderava a luta sindical e vários sindicalistas pelegos eram derrotados. Pipocavam greves por todo o país e a bandeira da Reforma Agrária ganhava força com o surgimento do MST que enfrentava os latifundiários reunidos na sanguinária União Democrática Ruralista (UDR). O PT, que havia boicotado o Colégio Eleitoral, crescia nacionalmente e tinha eleito, em 1985, a primeira prefeita do partido, Maria Luíza Fontenele, em Fortaleza (CE). O movimento estudantil também ressurgia com a UNE e os grêmios livres.
Na Bahia, havia um clima de esperança e alma lavada após a eleição, em 1986, de Waldir Pires para governador, derrotando Josaphat Marinho, então candidato do caudilho Antonio Carlos Magalhães (ACM), que dominava a política baiana a “mão-de-ferro” havia 20 anos. E foi a partir da campanha de Waldir , após um encontro pessoal com ele, que eu, um adolescente negro de apenas 14 anos, comecei a me interessar por política. Apesar de jacobinense, na época morava em Itaberaba e lá, estudante da 8ª série, participei das primeiras lutas pela implantação dos grêmios livres após a ditadura de 64.
Mas, foi após ler o livro “Lamarca, O Capitão da Guerrilha”, dos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda, que adquiri consciência política e resolvi ingressar no Partido dos Trabalhadores, ainda em 1985.
De volta a Jacobina, em 1987, para estudar agrotécnica no Colégio Euzébio de Queiroz, me aproximei dos companheiros que haviam fundado aqui o Sindicato dos Mineiros, após terem realizado a mais longa greve de operários depois do regime militar. Foram 45 dias de paralisação, em 1985, que chamaram a atenção do Brasil para a situação dos mineiros de Jacobina. Época em que muitos líderes sindicais e políticos surgiram, a exemplo de Totonho, Jubilino Carneiro, dentre outros, a maioria orientada pelo então estudante de Direito Emannuel “Das Cachorras”.
Foi nesse período de intensa luta social e de formação de novos militantes que Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, veio a Jacobina. Após palestras feitas em Salvador e Feira de Santana, o hoje deputado Afonso Florence, na época estudante da Ufba e um dos articuladores dos eventos, colocou a possibilidade de trazer o velho comunista para a nossa cidade. Tudo muito rápido e quase não houve tempo de organizar, tivemos apenas dois ou três dias para isso.
Mesmo nós do PT tendo discordâncias com os seus métodos e questionamentos à sua trajetória, era impossível não se render a um fato de extrema relevância que era a visita do velho Prestes a Jacobina. Conhecê-lo pessoalmente mexeu com o nosso imaginário de maneira positiva e fizemos todo o esforço para anunciar e realizar a palestra.
Na sua chegada, lembro-me que passamos boa parte do dia com ele e sua esposa Dona Maria na casa de Zé Lages, fundador do PT. Eu e outros companheiros ouvíamos encantados as passagens que nos contava sobre a Coluna Prestes, sua passagem pela Bahia em direção a Minas Gerais, no ano de 1926, e por que não entrou em Jacobina mesmo tendo passado por Mundo Novo, um município próximo. Segundo o velho comunista, foi para não correr o risco de emboscadas, devido à geografia da cidade composta de serras e morros que facilitaria o trabalho das forças de repressão.
Apesar da apreensão de todos que organizávamos a visita, se seria bem recebida pela sociedade jacobinense, a palestra lotou o auditório do Leader Esporte Clube em uma noite memorável. Por mais de duas horas, Prestes falou sobre sua história, a conjuntura política da época e atendeu a todos que queriam abraçá-lo, tirar fotos e até pedir um autógrafo. Eu, um adolescente ainda, estava entusiasmado com tudo o que via e ouvia, impactado com a lucidez do velho comunista aos 89 anos de idade.
A fotografia que ilustra este artigo, tirada por Gervásio Firmo, o “Grilo”, que nos deixou recentemente, retrata o momento em que eu levava para Prestes alguns exemplares de jornal para que ele autografasse, ladeado por Jubilino, presidente do Sindicato dos Mineiros, segurando um exemplar do livro “Olga”, e por Luiz Honório (Tico Lanches) que também era diretor do sindicato.
Muitas estórias se perderam ao longo desses 34 anos, mas, certamente, esse acontecimento memorável jamais será esquecido por aqueles que dele participaram. Entre esses me incluo, já que, na parede da minha memória, o dia 5 de junho de 1987 continua gravado como o dia em que conheci de perto o “Cavaleiro da Esperança”.
*Jailton Britto é radialista e ativista social.
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