Ano novo, vida nova? Chegou a hora de sair do armário?

A chegada de um novo ano é uma oportunidade para avaliar as questões importantes da nossa vida que precisam ser resolvidas. Para quem é gay e ainda está no armário, é difícil ignorar a hipótese de abrir as portas e finalmente se assumir. Mas qual é a hora ideal para tomar essa atitude? Coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital da Clinicas de São Paulo, o psiquiatra Alexandre Saadeh responde que é complicado eleger um momento como o ideal, especialmente por esta ser uma questão muito particular de cada pessoa. Por outro lado, algumas condições podem fornecer indícios de qual hora é a mais oportuna. “Hora perfeita não existe, mas um bom momento pode ser aquele em que você está seguro, tranquilo e percebe a homossexualidade não como um problema e sim como algo que faz parte de você, que não te torna melhor ou pior”, pondera Saadeh, indicando que aceitar a própria orientação sexual é primeiro passo antes de sair do armário. O psicólogo Fabrício Viana, autor do livro “O Armário”, explica que quem não sai do armário lida com muitas desvantagens que devem ser levadas em consideração. “Ao assumir, deixamos várias neuroses de lado e começamos a viver nossa vida de forma mais autêntica, plena e satisfatória. Deixamos de gastar muita energia para esconder nossos desejos e passamos a usar essa mesma energia para viver melhor”, analisa o especialista. Porém, Fabrício alerta que é preciso pensar também nas consequências deste gesto, que podem ser bastante complicadas num primeiro momento. “É preciso ter em mente que nunca conseguiremos antecipar as reações das pessoas. Cada um reage de uma forma. Famílias supostamente modernas podem se mostrar preconceituosas. Da mesma maneira, famílias tracionais e religiosas podem ser acolhedoras e receber bem a notícia”, avalia o psicólogo e escritor. SAIBA MAIS...
O estagiário em mídias sociais Robson Rodrigues, 24, levou quatro anos para se assumir depois de se perceber gay aos 14 anos. “Foi um processo longo de aceitação. Quando percebi que era só um sentimento, que ser gay era apenas amar outro homem, me senti confortável em contar para meus parentes”, conta Robson, que buscou informações na internet, nos livros e também nas conversas com amigos. A web que ajudou Robson é mesmo uma vantagem da geração atual na busca por informações, segundo Saadeh. “O ‘Dr. Google’ é de grande ajuda adolescentes de hoje, a internet traz muita informação sobre sexualidade. Essa geração também é mais aberta para falar de sexualidade com os amigos”, explica o psiquiatra, ressaltando que em certos casos é necessário recorrer à ajuda de um profissional, como terapeutas e psicólogos, especialmente para quem tem dificuldade em se aceitar. Informação foi justamente o que faltou para o universitário Renan Pereira, 21, não passar por um sofrimento na adolescência. Acreditando que estava falando com uma pessoa de mente aberta, ele foi buscar orientação com um professor de Educação Física, que se mostrou homofóbico e condenou, equivocadamente, a orientação sexual de Renan, dizendo que a homossexualidade era uma invenção da mídia. “Me senti uma aberração. Me questionei na hora: se ele que estudou acha os gays produtos midiáticos, imagina o que os meus pais, que nem terminaram o ensino médio, vão achar?”, relata Renan , que foi surpreendido com uma reação positiva dos familiares. “Fui para casa e contei ao meu irmão que era gay, depois falei para meu pai e para minha mãe, por último. Meu irmão me abraçou, meu pai disse apenas que tinha medo de as pessoas me tratarem mal por ser gay. E minha mãe deu risada, acabou aí”.
Sem pressão e com cuidado - O estudante do ensino médio Matheus do Nascimento, 19, acaba de passar por esse processo de sair dor armário. “Decidi me assumir antes de me mudar para Curitiba, há alguns meses. Já vinha planejando e achei que não teria mais coragem se não fizesse naquela hora”, descreve Matheus, que passou seis meses pensando até tomar a decisão de falar com a mãe. “O mais difícil foi criar coragem mesmo. O mais fácil foi contar, por incrível que pareça”, conta Matheus, que foi aceito pelos familiares. Embora seja jovem, Matheus tem um conselho a dar para quem ainda não se assumiu. “Não dá pra ceder às pressões de amigo, nem de ninguém. No fundo, a gente sabe qual é o momento. É só seguir o que o coração diz que dá tudo certo”, aconselha o estudante. Além de ignorar as pressões, é preciso tomar cuidado com as possíveis adversidades que sair do armário pode causar. O designer Vinicius Grego, 25, e o performer Thiago Branco, 26, conhecido pelo nome artístico Xërxës, enfrentaram situações adversas e complicadas, mas conseguiram superá-las. Infelizmente, Vinicius foi agredido pelo pai quando se assumiu. “Se não tivesse me assumido não teria passado por vários processos que me ajudaram a crescer como pessoa e a conquistar meu espaço sem ter que esconder nada”, argumenta o designer, que contou com o apoio dos avós. “A sensação de tirar o mundo das costas é maravilhosa”, completa ele. Thiago também teve que lidar com as ameaças do pai, que aconteciam desde a adolescência dele. “Ele dizia: ‘Se eu tiver um filho gay ou uma filha lésbica, eu mando matar ou eu mesmo mato’”, recorda o performer, que viu o tempo mudar a cabeça do pai. “Depois de seis anos, ele me disse que não seria cretino de me falar que estava feliz em ter um filho homossexual. Mas que isso não ia mudar o sentimento dele mim.” Sem arrependimentos, Thiago ainda tem fresco na mente o que sentiu saiu do armário. “A sensação de liberdade que senti ao sair do armário é algo que nunca vou esquecer”, finaliza. (iG)