Morreu às 23h40 de sexta-feira, aos 92 anos, Mario Jorge Lobo Zagallo, um dos grandes nomes da história do futebol mundial e única pessoa a estar presente em quatro títulos de Copa do Mundo: em 1958 e 1962, como jogador, em 1970, como técnico, e em 1994, como coordenador técnico.
Ele ainda esteve no comando da Seleção em 1974 (quarto lugar) e 1998 (vice-campeão), além de ter sido novamente coordenador em 2006.
Com idade avançada, Zagallo vinha com a saúde fragilizada há alguns anos. Em setembro de 2023, ficou cerca de 20 dias no hospital com infecção urinária. No dia 26 de dezembro, foi novamente internado no Hospital Barra D’Or e morreu na noite desta sexta, vítima de falência múltipla dos órgãos, resultante de progressão de comorbidades previamente existentes.
Recentemente, em eleição promovida pelo ge com a participação de mais de 100 treinadores, Zagallo foi eleito o segundo maior técnico da história do país, atrás apenas de Telê Santana.
A história desse personagem inesquecível começa na metade dos anos 1940. Naquele tempo, num Rio de Janeiro mais romântico, jogava-se – e muito – futebol nas ruas. A Praça da Bandeira, na Zona Norte, era um dos pontos de encontro da garotada.
Comia solta a rivalidade entre o Ameriquinha e o Cruz de Malta, melhores times da área. Que menino do bairro não queria estar ali, fazendo a festa?Zagallo estava. Com a camisa 10 do Alvirrubro, o driblador canhoto aprontava…
Até o túnel do tempo avançar para 1950. Maracanã lotado. Final da Copa do Mundo. Quem não queria estar ali, no gramado, vendo Brasil x Uruguai? Zagallo estava. Como soldado, o já juvenil do América presenciou o choro de 200 mil pessoas diante da derrota do timaço de Zizinho e Ademir.
Oito anos depois do Maracanazo, a tristeza ficara para trás. Ele era tão bom no campo que jogava no Flamengo e na Seleção. E quem não queria estar ali, ao lado de Pelé e Garrincha, saboreando o primeiro título mundial? Zagallo estava. Foi ponta-esquerda na Suécia. Em 1962, no Chile, faturou o bicampeonato com Mané, Didi e Nilton Santos, colegas do esquadrão histórico do Botafogo.
Até que mais oito anos se passaram. Copa do Mundo no México. Quem não queria estar ali, comandando aquele time dos sonhos, que tinha de novo o Rei do Futebol, agora na companhia de Tostão, Gerson, Rivellino, Jairzinho, Carlos Alberto, Paulo Cezar? Zagallo estava.
O que escrever na lápide desse personagem para resumir sua vida profissional? “Campeão eterno”, talvez. Com 13 letras, como sempre gostava.
Ele mesmo. O Zagallo do tri canarinho. E dos erros de 1974. Quem não queria estar na Alemanha, enfrentando na Copa astros da grandeza de Beckenbauer e Cruyff? Zagallo estava. Técnico da Seleção, viu o time cair diante da Laranja Mecânica nas semifinais e sofreu pesadas críticas. Mas como parar aquele Carrossel Holandês que revolucionou o futebol com novos conceitos táticos e de preparação física? Só mesmo os donos da casa, com outro timaço.
E dali até 1994, passaram-se 20 anos. Nada de o Brasil ganhar. Até que Romário, Bebeto & Cia., sob o comando de Parreira, conquistaram o tetra, 24 anos depois do tri. Quem não queria estar ali, dando conselhos para o treinador? Zagallo estava. Coordenador técnico, era o homem de confiança do chefe.
Ele mesmo. O Zagallo do tetra, apaixonado pela Seleção, estava sempre “na fita”. Nos bons e maus momentos. Em 1998, por exemplo, sob seu comando, viu Ronaldo explodir na competição e implodir na derradeira final, para a França. Foi duramente contestado por escalar o Fenômeno após o susto da convulsão até hoje difícil de explicar. Mas tomou a decisão, certa ou errada, e ficou firme.
Na verdade, ele sempre fez o que quis. Brigou até com Romário, processando o Baixinho por uma pintura depreciativa após o corte da Copa de 1998. Aliás, briga por briga, quem por um dia ao menos não teve vontade de dizer ao mundo todo, ao vivo e a cores, o clássico “vocês vão ter que me engolir!”? Zagallo disse.
E quem também não teve vontade de um dia responder em cadeia mundial a uma provocação, como aquele aviãozinho que imitou em comemoração de gol na África do Sul, terra de Mandela, em 1996? Zagallo respondeu.
Mário Jorge Lobo Zagallo. O Velho Lobo, que divide com Beckenbauer e Deschamps a proeza de ser campeão do mundo como jogador e técnico. O Velho Lobo, que nos principais clubes pelos quais passou deixou sua marca.
Que rubro-negro não queria estar ali no banco, na final carioca de 2001, segurando a imagem de Santo Antônio no momento da magistral cobrança de falta de Petkovic na gaveta? Era o gol do tricampeonato carioca do Flamengo. E Zagallo, o mesmo que já conduzira o clube ao Carioca de 1972, com Doval e Paulo Cezar, e, como jogador, conquistara o tricampeonato carioca em 1953-54-55, ao lado de Dida, Evaristo e Rubens, estava lá, comandando aquela equipe.
Que alvinegro não queria estar ali no banco do Botafogo na conquista do bi estadual de 1967-1968 e da Taça Brasil de 1968 (agora unificado como Brasileiro)? Zagallo estava lá. Antes de montar o timaço da Seleção tricampeã do mundo, fez da linha de frente formada por Rogério, Gerson, Roberto, Jairzinho e Paulo Cezar um ataque arrasador. Quase tão bom quanto aquele que tinha Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e ele, Zagallo, no bicampeonato carioca de 1961 e 1962. Sim, Zagallo estava nos dois maiores times da história do clube da estrela solitária.
Se rubro-negros e alvinegros têm boas histórias para contar de Zagallo, e os tricolores? Qual deles não queria estar no Maracanã como técnico naquele 27 de junho de 1971, quando mais de 140 mil pagantes viram o Fluminense ser campeão carioca em cima justamente do Botafogo, numa das finais mais polêmicas, com um gol de Lula aos 43 minutos do segundo tempo? Zagallo estava.
Os alvinegros reclamam até hoje falta do lateral Marco Antônio no goleiro Ubirajara Motta, não marcada pelo árbitro José Marçal Filho. O título, conquistado no ano seguinte ao tricampeonato mundial no México, foi bastante comemorado nas Laranjeiras.
Zagallo também treinou, no Rio, Vasco e Bangu. Em São Januário, foram duas passagens (de 1980 a 1981 e de 1990 a 1991. Em Moça Bonita, de 1988 a 1989. O Velho Lobo ainda esteve em São Paulo, na Portuguesa, em 1999.
Nesses clubes, não teve a mesma sorte da qual se gabava. Não conquistou títulos – da mesma forma que no Botafogo em 1975, 1978 e de 1986 a 1987, no Flamengo, de 1984 a 1985, e no Al Hilal, da Arábia Saudita, em 1979. Mas, com ou sem taças, o Velho Lobo sempre, sempre foi marcante. E vai deixar muita saudade.
O começo
Nascido em Maceió (Alagoas) a 9 de agosto de 1931, Mario Jorge Lobo Zagallo chegou ao Rio ainda no colo da mãe, com oito meses de idade. O pai, Aroldo Cardoso Zagallo, foi transferido de Alagoas para o Rio de Janeiro para ser representante comercial da fábrica de tecidos Alexandria, que pertencia a seu cunhado, Mário Lobo.
Criado no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio, o menino começou a jogar ali suas primeiras peladas. Seja no terreno do Derby Club – que mais tarde se transformaria no Maracanã -, seja nos torneios de rua da Praça da Bandeira, nos quais o Ameriquinha, time onde atuava, se destacava. Com a camisa 10, jogando como meia-esquerda, o garoto canhoto não demorou para ser o destaque.
Era difícil tirar a bola de Zagallo. Tão difícil, mas tão difícil, que, do Ameriquinha, Zagallo, estudante do tradicional colégio São José, pulou para as categorias de base do América, clube do qual já era sócio e praticava vôlei, natação e tênis de mesa. E teve que contar com a ajuda do irmão, Fernando Henrique, para convencer o pai a seguir carreira de jogador de futebol profissional – seu Aroldo o queria estudando contabilidade.
Sócio contribuinte do Alvirrubro, Zagallo “pagava” para jogar. Mas não demorou a ser um dos destaques dos juvenis. Camisa 10, foi lá que o então ponta de lança trocou de posição e começou a se transformar no ponta-esquerda eficiente, de fôlego incansável, que se desdobrava com a camisa 11.
E foi ainda como juvenil do América, servindo o Exército brasileiro, que o jovem Zagallo viveu sua primeira decepção no futebol. Trabalhou como soldado na final da Copa do Mundo de 1950 e viu o povo brasileiro sofrer com a derrota da Seleção para o Uruguai por 2 a 1. A experiência doída no Maracanazo acabou servindo de ponte para a ligação que viria depois com a camisa verde-amarela.
Flamengo, Botafogo e Seleção
Antes disso, no entanto, o ponta-esquerda foi para o Flamengo, ainda como juvenil. Só conseguiu roubar a posição de titular de Esquerdinha a partir de 1954. Caiu nas graças do treinador paraguaio Fleitas Solich e participou com destaque na campanha do tri carioca de 1953-54-55. O ataque, formado por Joel, Paulinho, Evaristo, Dida e Zagallo, entrou para a história como um dos maiores da história do clube.
Em 1958, com Moacyr no lugar de Paulinho, o ataque foi praticamente todo convocado para a Seleção na Copa da Suécia – Evaristo não foi porque optou por jogar no Barcelona, da Espanha. E o “Formiguinha” – como já era chamado, tal o empenho e a disciplina tática para voltar e ajudar na marcação – foi o único dos quatro que se manteve titular em toda a campanha do primeiro Mundial vencido pelo Brasil.