Golpe de 1964: Não há o que comemorar – Mailson Ramos

O golpe de 1º de abril de 1964 deu início a uma sangrenta ditadura militar que perseguiu, torturou e matou milhares de brasileiros. A decisão do presidente Jair Bolsonaro de autorizar os quartéis a “comemorar” o golpe é de uma insensibilidade abismal —, mas não é possível esperar sensibilidade de quem diz que a ditadura deveria ter matado mais pessoas.

Causa espanto internacional o fato de um presidente da República eleito democraticamente pelo povo fazer referência a um golpe de Estado. Se o fez para alimentar as milícias virtuais que o seguem nas redes sociais, Bolsonaro conseguiu. Entretanto, vendo o estrago causado pela expressão “comemorações devidas”, voltou atrás e trocou o verbo comemorar por rememorar. A emenda ficou pior que o soneto.

O brasileiro não deve rememorar a ditadura senão para prantear os seus mortos e desaparecidos; para saber como eram impostas as torturas a troco de acusações infundadas ou pelo desejo puro e sádico de machucar; para, enfim, compreender que a “ditadura comunista” era um motivo fútil para tomar o poder. Por 21 anos.

As reformas de base de João Goulart eram limitadíssimas. Mais uma vez a classe média brasileira, movida por seu ódio aos mais pobres, reagiu ao espanto que eram as promessas de combate à desigualdade social. O discurso de Jango era ‘comunista’ demais para a burguesia e para os militares que a representam. No dia 13 de março de 1964, na Central do Brasil, ele disse:

A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.

Onde já se viu? Um presidente convocar o povo para uma manifestação no centro de uma das maiores capitais do país para falar em reforma agrária? De fato, Jango representava um subversivo no poder, ainda que abastado dono de propriedades no Rio Grande do Sul. E defender os trabalhadores no Brasil é ser sempre subversivo.

As Forças Armadas agiram como perdigueiro da burguesia brasileira. Não foram convocadas senão pelo senso de reacionarismo de uma parcela da população brasileira que ainda hoje acredita em instalação de ‘ditadura comunista’. Durante os 13 anos de um governo de centro-esquerda, muitos dos quais com apoio majoritário do povo, nunca se aventou a possibilidade de um golpe. Os bancos nunca lucraram tanto. As grandes empresas nunca foram tão agraciadas com isenção de impostos e aumento de investimentos. Mas errou quando passou a dar casa a pobre com preços populares, auxílio social e universidade para filho de empregada doméstica.

Mesmo assim, o atual presidente e os seus apoiadores venceram as eleições batendo na tecla de que o Brasil estava a caminho de se tornar uma ditadura comunista como Cuba. Reparem. O discurso é o mesmo dos militares de 1964. Não à-toa, o resultado também é o mesmo: ataque à imprensa, repressão velada, defesa de interesses dos americanos em detrimento dos brasileiros, louvação de símbolos nacionais e de ideais nacionalistas.

O que há para comemorar? Não há nada para comemorar. Durante 21 anos o Brasil foi comandado por homens autoritários que chancelaram todo o tipo de violência contra quem pensasse diferente do seu regime de poder. Subversivos, guerrilheiros e terroristas são algumas das definições que até hoje dão aos homens e mulheres que lutaram contra a ditadura.

A violência que reagia contra uma violência ainda maior. Repressão. A ditadura abateu adversários das formas mais desumanas que se pode pensar. Torturou crianças, mulheres grávidas, idosos. Calou jornalistas, ainda que tivesse o apoio de boa parte da imprensa. Cerceou o direito à liberdade de expressão em redações de jornais, manifestações artísticas, produções na televisão, no teatro e na música.

Os ditadores, que até hoje são tratados na imprensa simplesmente como presidentes ou generais, impuseram ao Brasil muito mais do que cassação da liberdade, tortura e morte. O país foi colocado de joelhos para atender às necessidades de grupos poderosos. A corrupção do caixa 2 começou ali. Os bons tempos da ditadura onde existia um respeito maior às instituições e aos ideais nacionais é uma mentira escabrosa. Existia medo e silêncio relatados em centenas de livros.

A história está escrita. É impossível acreditar que um governo queira reescrevê-la destruindo o país e mentindo descaradamente diante do mundo, que também conhece a nossa história. É aterrador pensar que alunos poderão contestar professores e livros sobre a realidade histórica. O momento vivido por este país é tão surreal que o chanceler brasileiro afirmou que o nazismo era um movimento de esquerda. Foi rebatido por diplomatas e acadêmicos da Europa, sobretudo da própria Alemanha e, ainda assim, continua repetindo a falsa afirmação.

São tempos de idiotia galopante.

Mailson Ramos é editor do site nossapolitica.net

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