Gado não resiste à seca e morre à beira da pista na região de Itiúba

Por: Alexandre Lyrio
alexandre.lyrio@redebahia.com.br

Não se vê um sabiá ou pássaro preto cortando a caatinga. São os primeiros retirantes da seca ordinária que atinge boa parte da Bahia. O céu, azul como nunca, pertence somente ao voo sombrio dos urubus. Mau sinal. O que é fartura para eles representa a sede, a fome e a morte de outros animais. Nus, os pastos estão cinzas.
Em alguns povoados próximos a Itiúba, microrregião de Senhor do Bonfim, no semiárido baiano, as áreas reservadas ao gado parecem ter pegado fogo. O carro de reportagem começa a estremecer de repente, na estrada de barro entre a BA-381 e a pequena cidade de Andorinha. As chamadas costelas de vacas, dobras que a falta de chuva deixa no meio da pista, tornam a viagem demorada. Mas, é em ritmo lento que a seca fica ainda mais triste.

Devagar, é possível ver os primeiros pontos brancos em forma de ossadas. Uma a uma vai surgindo. São seis, em uma distância de 15 quilômetros. As carcaças de crânios são a face mais clichê da estiagem, mas também a mais melancólica.
Os animais vivos estão fracos, magros. Muitos não aguentam e ficam “arriados” o dia inteiro. “Tem umas vacas que a gente precisa de cinco homens para levantar e, mesmo assim, não adianta. Elas tornam a cair e em pouco tempo acabam morrendo”, diz Domingos Lopes, 74, que enfrenta toda a arrogância do sol pa Em pequenas propriedades como a de Domingos, os bichos se protegem debaixo do que resta de vegetação. Quando vê a nossa equipe, o chefe da família mete o facão dentro da bainha e inicia a sessão de lamúrias. Três cabeças do rebanho não resistiram e morreram dentro do seu terreno de 300 tarefas, em Sítio de Piau, a uns 30 quilômetros de Itiúba.

Água, só de um pequeno açude improvisado ali perto. Água ruim, tanto para gente quanto para bicho. “Às vezes, até o gado rejeita. É muito salgada”, afirma o velho criador, chegando próximo à cerca de arame farpado.

Para evitar mais mortes, seu Domingos, as duas filhas e um neto têm a difícil missão de retirar os espinhos dos mandacarus. São essas plantas que vão alimentar o gado daqui para frente, pelo menos enquanto não chove.“O mandacaru é somente para ir tapeando eles por enquanto. E a gente vai trabalhando debaixo do sol, furando a mão com os espinhos”, lamenta Domingos, que também tapeia a própria fome com um pedaço de pão seco. “É o meu lanche”, completa, refletindo a aspereza do próprio cotovelo e da boca partida à imagem do chão seco.

Inferno

As duas filhas falam ao mesmo tempo que o pai. “É muito sofrimento, meu filho. Quando vai voltar essa chuva, meu Deus?”, questiona uma delas. “Eu já tô aqui toda furada de espinho. Vida dos diabos, essa nossa. Isso aqui é pior que o inferno”, remoe a outra. Enquanto os três discorrem as desgraças, o cachorro late.

É Pirulito, um vira-lata bem preto que tem as costelas como as das vacas, e só para a zoada depois que recebe um esbregue. “Para, cachorro condenado!”, grita Domingos. “Deixa ele. É o território dele”, ouve de conselho. “Território seco do estopô, isso sim”, responde ele, pai de quatro filhas e… “Netos? Eu não sei quantos netos eu tenho, não”.

Difícil raciocinar debaixo de um sol daqueles. Não sabem nem dizer de que povoado pertencem. O mais lúcido é o menino, que tem uns 15 anos. “Aqui é Sítio do Piau”, informou, decidido. O carro tem ar-condicionado. É a salvação. “Poxa, a gente para cinco minutos e quase não aguenta. Imagine ficar horas nesse sol”, observa Eduardo, nosso motorista.ra salvar o que lhe resta.

‘Não ia guentar ver meu gado morrer de sede’
Ao meio-dia e alguns minutos, chegamos em Lagoa Grande, distrito de Retirolândia, microrregião de Serrinha. Mas, cadê as pessoas? O cenário é de uma cidade fantasma. Um silêncio assombroso. Fugiram todos da estiagem? Ainda não. O calor é tão intenso que estão trancados dentro de casa. A porta de uma delas se abre. Ouviram o barulho do motor do carro. “Vão chegando, gente”. É Laurindo Ferreira de Lima, 65 anos, praticamente puxando os forasteiros para dentro da residência. Com ele, outros três idosos, um bebê e uma jovem, todos sentados no chão. “É porque no chão é menos quente. A gente fica aqui proseando para passar o tempo. Não tem nada para fazer”, explica.

Se não tem gente nas propriedades do lugarejo, há ainda menos animais. Seu Laurindo, por exemplo, vendeu quase tudo o que tinha. Só ficaram algumas galinhas e poucas cabras. “Não ia guentar ver meu gado morrendo. É triste demais, moço”, justifica. O silêncio incomoda mesmo. “A gente, pra fazer barulho aqui, só se for pra chorar”, diz uma mulher. Não há mesmo muito o que falar quando a água está acabando. O caminhão-pipa passou há uma semana. “Vai acabar hoje. A partir de amanhã eu não sei o que vai ser”. Diante disso, em uma casa com idosos e crianças não se pensa duas vezes para pegar um litro de água mineral gelada no carro. Uma das mulheres levanta-se e segura a garrafa. Os olhos brilham.

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