O uso de linguagem ou expressões capacitistas não só reforça o preconceito como ajuda a ampliar as dificuldades com que a pessoa com deficiência se depara no dia a dia. Essa foi a reflexão levantada por vários profissionais que participaram da roda de conversa Linguagem e comunicação não capacitista na prática, promovida terça-feira (20) pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo no Museu da Inclusão, na capital paulista.
A roda de conversa é parte da programação do Dia Nacional da Pessoa com Deficiência, comemorado nesta quinta-feira (21). Entre uma série de ações programadas, eventos gratuitos que ocorrerão na sede da secretaria estão com inscrições abertas.
“As pessoas com deficiência têm diversas barreiras e uma delas é a da comunicação. E a linguagem capacitista evidencia uma cultura que ainda não traz a visão de que a pessoa com deficiência é uma cidadã como qualquer outra, sujeita a obrigações e direitos. A linguagem capacitista é aquela que, de alguma forma, diminui essa condição do cidadão”, disse Marcos da Costa, secretário dos Direitos da Pessoa com Deficiência do estado de São Paulo, em entrevista à Agência Brasil. “Essa é uma discussão muito séria e muito importante porque demonstra que a forma de se dirigir a uma pessoa com deficiência é a imagem que se constrói ou não de cidadania”.
Algumas expressões muito usadas no dia a dia, como “deu uma de João sem braço”, “como cego em tiroteio”, “portador de necessidades especiais” ou “deixa de ser retardado”, são exemplos do que chamamos de linguagem capacitista. Tratar uma pessoa com deficiência como “coitada” é outro exemplo desse tipo de linguagem preconceituosa.
“A linguagem capacitista é toda mensagem que a gente constrói de forma que reforce um preconceito relacionado à deficiência ou a um estereótipo relacionado à deficiência”, explicou Ana Clara Schneider, fundadora e diretora executiva da agência Sondery, uma consultoria de acessibilidade criativa.
Segundo ela, essa linguagem capacitista ocorre, em geral, de duas formas: como superação ou vitimismo. “Esses são os dois extremos. Mas há um intervalo entre eles com muitos outros exemplos que passam pela infantilização ou assistencialismo”, disse Ana Clara.
Para Silvana Pereira Gimenes, coordenadora do programa de Emprego Inclusivo da Secretaria de Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, esse uso de linguagem decorre de um imaginário popular que precisa ser superado e combatido.
“Ninguém quer ser capacitista, ninguém quer ser racista, ninguém quer ser sexista. Mas não fomos ensinados a não ser. O racismo, o sexismo e toda forma de preconceito estão no nosso imaginário. E para superar esse imaginário, leva-se um tempo. E essa mudança só se processa quando a gente mentalizar isso”, afirmou Silvana.
“A linguagem capacitista dá foco à diferença da deficiência, criando esse preconceito, essa diferenciação, que vem de um viés inconsciente e de um juízo de valor que é partir do princípio de que uma pessoa com deficiência é menos capaz, menos profissional”, completou Ana Clara. “Os preconceitos são estruturais e vêm desse imaginário popular. E muito do que falta a esse imaginário popular é a comunicação. Precisamos reconhecer a responsabilidade social e o potencial de impacto de uma comunicação. E esse impacto pode ser positivo ou negativo. A partir do momento em que a gente não desconstrói os estereótipos, automaticamente estaremos reforçando-os. Se não somos intencionalmente mais acessíveis, mantemos as barreiras. Quando falamos em mudanças, em cultura e em acessibilidade, estamos falando desse lugar de aprendizado”, reforçou.
Combater o capacitismo
Para combater o capacitismo do vocabulário é preciso, inicialmente, ouvir as pessoas com deficiência. “Um contato mais próximo com pessoas com deficiência evita problemas de comunicação”, destacou o ator e digital influencer Fábio de Sá, durante o evento. “A comunicação é um princípio da condição humana e a gente sempre consegue quebrar essa barreira desde que haja vontade para isso”, ressaltou.
Silvana destacou que é preciso também que as pessoas se policiem para que expressões capacitistas sejam eliminadas de seus vocabulários. “Não é que queremos colocar a ditadura do politicamente correto. Mas por que usar termos que ofendem o outro? Você precisa buscar melhorar sempre. E a melhora está em corrigir erros de fala e de linguagem”.
Outros aspectos que ajudam na eliminação desse capacitismo, disse o secretário dos Direitos da Pessoa com Deficiência, passam por uma educação voltada para a inclusão e a “construção pró-ativa de não só evitar certas expressões mas, ao contrário, utilizar outras que mostram respeito, a importância e a inclusão de todos”.
Também é preciso entender que eliminar o capacitismo na linguagem tem de ser um esforço contínuo. “Isso precisa se tornar um hábito. A acessibilidade tem que ser intencional e consistente”, afirmou Ana Clara.
“Precisamos começar a olhar a deficiência como um traço, uma característica. Sempre digo que todo ser humano anda. Posso andar com dois pés, posso andar com dois pés e uma bengala, com dois pés e um andador ou posso andar por meio de rodas, seja uma cadeira ou uma maca. A capacidade é um conceito criado por pessoas que valorizavam o corpo perfeito e que remonta à cultura grega. Hoje a gente já entende que todas as pessoas são capazes. Cada pessoa executa as tarefas de forma diferente e isso não significa incapacidade. Então, usar uma linguagem que valorize as pessoas é excelente. É uma relação em que todos vão ganhar”, disse Silvana.
Agência Brasil