Religiosos baianos desaprovam autorização para ensino confessional nas escolas

A decisão tomada, na quarta, 27, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo o ensino religioso confessional nas escolas públicas, provocou uma onda de críticas de religiosos, juristas e educadores à corte máxima da Justiça brasileira. Na prática, ao derrubar por seis votos a cinco a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), os ministros do STF permitiram que as escolas públicas professem uma religião específica – o que desobriga as instituições de abordar todas as crenças, como pedia o Ministério Público Federal. Na Bahia, representantes de grupos defensores dos direitos humanos e lideranças de variadas crenças rechaçaram a decisão (veja mais adiante). Já os órgãos públicos da área educacional adotaram a vaguidão ao serem convidados a se posicionar sobre o assunto. Enquanto a Secretaria Municipal de Educação de Salvador (Smed) limitou-se a dizer que vai aguardar a publicação do acórdão da sessão para se pronunciar sobre o assunto, a SEC (Secretaria da Educação do Estado da Bahia) afirmou, por meio de nota, que "cabe à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e aos planos nacional e estadual de educação a definição sobre componentes curriculares da educação básica". Ainda no comunicado, o órgão estadual diz que "é prerrogativa do Poder Legislativo proceder alterações e emitir parecer final sobre as modificações nestes componentes" . Não deixa claro, porém, se concorda ou discorda da posição do STF.

Críticas
Protestante e membro do Comitê Inter-religioso da Bahia (Cirb), o pastor Djalma Torres se diz a favor do ensino não-confessional "há muito tempo". Para ele, que evoca o conceito constitucional de Estado laico, o encaminhamento dado à questão pela Suprema Corte "é um desastre" e "não vai ajudar na convivência da diversidade brasileira, especialmente no caso da Bahia". "Para o país e para a diversidade cultural e religiosa, não foi uma boa decisão", avalia o pregador, que, embora critique o conservadorismo desta vertente, tem identificação com os cristãos da ala Batista. "As diferenças religiosas são enriquecedoras para o indivíduo e o cultivo disso na escola é importante para que a criança aprenda a respeitar e possa optar inclusive por nenhuma religião, se quiser", defende Torres. Padre anglicano e ex-católico, o defensor de direitos humanos Alfredo Dórea avalia como "um perigoso" a adoção do ensino religioso confessional. Criticando "o mercenarismo e o fundamentalismo" e dizendo-se "perplexo" com a posição do STF, o religioso apontou como problema a relação da ministra Carmem Lúcia, presidente da Corte, com a Igreja Católica. Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), "ela deveria no mínimo ter se declarado impedida de votar", acredita o dissidente do clero vaticanista.

Retrocesso
Já o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, Nelson Pretto, define como "retrocesso" a posição do Supremo. Ele lembra que, com a decisão, abre-se a possibilidade de contratação de religiosos para o ensino confessional. "E elas não terão capacidade de oferecer um leque de alternativas para discutir todas as religiões", analisa o estudioso. Para Pretto, "o que vai acontecer é o privilégio a uma religião, que é a católica". Já o argumento de que essas aulas são facultativas, usado pelos seis ministros que votaram a favor do ensino confessional, "é uma falácia", opina ele. "A função da escola é ofertar aos jovens valores e conhecimentos ligados à diversidade, diferentes do lar, onde cabe a orientação religiosa", avalia o educador. Sacerdotisa do Ilê Axé Abassá de Ogum, em Itapuã, a ialorixá Jaciara Santos acredita que o ensino religioso confessional excluirá denominações que já sofrem preconceito, como o candomblé e outras de matriz afro-brasileiras. "Agora, nesse cenário ruim de intolerância, essa decisão é muito ruim", analisou a mãe-de-santo, que atribui a polêmica posição do STF a "um série de retrocessos que impedem um futuro melhor para o país".